Saudações tenebrosas...

Você ultrapassou o portal da realidade... Seja bem vindo(a) á um mundo onde os contos criam vida, mesmo quando falam de morte...

Sidney Leal

sexta-feira, 27 de maio de 2011

A Dama do Espelho

“Quem não quer ver malucos
Deve quebrar espelhos”.
Voltaire
           

“A Dama do Espelho”

    "Estava frio naquele início de noite, e uma chuva torrencial como a muito não era vista caia violentamente. O restaurante do pequeno hotel já iniciara o jantar, quando um novo hóspede adentrou ruidosamente a recepção. O homem de pouco mais de cinqüenta anos de cabelos ralos e totalmente grisalhos, de guarda-chuva nas mãos, tirava sua casaca preta. Enquanto se refazia do frio da noite, registrava-se e como estava apenas com uma pasta de documentos de couro, com sua chave nas mãos seguiu para o restaurante para o jantar. Logo após satisfeito, mas cansado do dia que tinha tido, subiu calmamente estreito jogo de escadas que o levavam ao seu quarto, perdeu alguns momentos procurando o “217” conforme estava identificada sua chave, o corredor também era estreito de madeira pouco iluminado de um verniz escuro dificultava a leitura dos números semi apagados pintados nas portas.
O hotel não era dos melhores, mas devido o mau tempo e como a noite já tivesse iniciado decidiu por bem pousar aquela noite ali mesmo.
Pensava na somatória de eventos inesperados que o levaram até ali... Chegou àquela cidade pela manhã para resolver pendências de propriedade e lei, e como a cidade lhe trazia amargas recordações de um passado que a muito tentava esquecer; Apressava-se em resolver tudo e voltar para a capital.
Embora soubesse que não podia esquecer os fatos do passado, pois estavam tatuados em sua alma. E até geraram uma vida. Um filho.
Pensava na sua condição na data do acontecido, e via hoje aonde chegara, o que o fazia sentir menos culpa é que sempre enviava via depósito no banco central, ou através de um procurador de confiança os acertos financeiros para que nada faltassem a aqueles que ele deixou para trás no tempo.
No final do dia tendo dado por definido suas questões, encaminhou-se para a estação para providenciar a compra da passagem no expresso para o retorno, mas devido a um acidente conseguinte do mau tempo, as viagens seriam adiadas para o outro dia pela manhã. E por este motivo todos os hotéis do lugar estavam lotados de viajantes incautos que pegos de surpresa pousariam na cidade também. O único lugar com vagas foi aquele hotelzinho de esquina com um “Mollin Rouge” na sua esquerda, e com o cemitério das almas pela direita – talvez fosse este o motivo da vaga que restava – O fato é que restava apenas aquele quarto o Duzentos e Dezessete, como se tivesse de ser ali – Sorriu sozinho da bobagem de pensamento que lhe passou pela cabeça.
            Abrindo a porta de seu quarto perdeu alguns instantes analisando o lugar... Um quarto pequeno de paredes forradas com papel, possuía duas pequenas luminárias nas suas extremidades, as velas já estavam acessas – Provavelmente enquanto jantava adiantavam-se no preparo de seu leito – Uma cama bastante sólida devo dizer de um colchão razoável de molas. Um criado mudo com um pequeno jarro de água – De bom gosto até, nada mal pensava ele – Mas o que chamou a atenção era que perto da janela se encontrava um majestoso espelho ovulado, grande, emoldurado de madeira de jacarandá com um pedestal também de madeira que tornava possível a sua utilização. Seguiu rapidamente para a janela, pois, a mesma estava semi-aberta e os gotejos da tempestade teimavam em molhar o piso próximo a ela, fechando-a notou que a vista era de vale gramado com construções de pedra que... Limpado os olhos pode ver que se tratava do velho cemitério das almas, essa descoberta o arrepiou.
            Por isso só restava este quarto! Pensou alto enquanto fechava a pequena janela.
Na frente do espelho uma poltrona confortável com uma mesinha e uma abajur – para leitura provavelmente – Trancou a porta e jogando de lado a pasta, tratou de se recostar um pouco na cama.
Ficou assim por alguns instantes, mas quando fechava os olhos as imagens de “antes” lhe voltavam, e conflitavam com as imagens do “depois”. Durante muito tempo tentou inutilmente dormir, mas não conseguiu.
Decidiu então levantar-se e ler alguma coisa; Sentando na poltrona, na procura por distração inspecionava a gaveta da mesinha do abajur, estava vazia, a não ser por um envelope lacrado por cera num brasão antigo por ele desconhecido. E o mais estranho, no remetente estava escrito seu nome!
Ao abrí-lo revelou-se uma letra muito bem feita nos seus detalhes, mas desconhecida da sua lembrança. E já na leitura da primeira linha arrepiou-se por inteiro, afastando o sono que a pouco lhe acompanhava... Contínua no livro 13 "Contos".

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Sexta-Feira 13

   Caros amigos hoje dia 13 de Maio é comemorada a Abolição da Escravatura no Brasil, uma data histórica que marca uma importante vitória pela luta contra o preconceito racial marcada por muito sangue. Em 1879, um grupo de parlamentares lançou oficialmente a campanha pela abolição da escravatura. Foi uma resposta a crescente onda de agitações e manifestações sociais pelo fim da escravidão. 
   Saindo do contexto histórico, hoje também é Sexta-feira 13, um dia comum para as pessoas comuns... Mas não para os aficionados em cinema  e literatura fantástica. para marcar o dia de hoje estou postando um trecho de um conto escrito por mim "Corpo Seco - Histórias de Mistério, Terror e Morte". Por favor não esqueçam de deixarem seus comentários.
Saudações Tenebrosas!


“Pestis eram vivus – moriens tua mors ero”.
Vivendo era teu açoite – morto, serei tua morte.
Martinho Lutero


“Corpo Seco”

Enquanto viajava de Maria Fumaça um sentimento escondido no peito vem a tona discreta e inquietantemente, era a saudade de casa que me tocava, enquanto perdido em devaneios me deliciava com a paisagem que se impunha imponente ao redor dos trilhos. Com a janela aberta sentia o vento carregado com o vigor da juventude, já fazia quase de dez anos desde que fui enviado para a capital para estudar em escola de padre, para então posteriormente cursar a faculdade de direito. Mesmo já formado, não conseguia conter a ansiedade de chegar em casa e dependendo de como for estava pronto para iniciar minha carreira por ali mesmo. Por que não?
Chegando a estação, meu pai já me esperava com um escravo, o desembarque foi rápido com sutis demonstrações de carinho e afeto por parte dele, mas seus olhos brilhantes com lágrimas começavam a germinar, a cena me comoveu muito... Ele já de barba branca se apoiava em uma bengala, com um sorriso amistoso me saudava. Na viagem de charrete até o sítio, meu Pai contava-me as novas do lugar, quem casou quem morreu quem nasceu. Fatos que não pude compartilhar devido minha ausência.
Papai franzia a testa enquanto me relatava sua maior preocupação, era um boato que rondava os pés de café da fazenda assustando os negros em período de colheita, lamentava estar velho e não poder percorrer em vigilância o perímetro da fazenda. E me atribuía esta tarefa.
É necessário ter energia meu filho, encontrar a raiz deste boato e acabar com ele de uma vez por todas! Dizia ele com veemência.
Tudo há seu tempo meu Pai, tudo há seu tempo. Com o um sorriso saudoso lhe respondi tapeando suavemente suas costas. Chegando a casa grande fui saudado por todos os empregados da fazenda, entre eles estava a BA Dolores que já idosa com lágrimas carinhosas corria a me abraçar. A negra alta e forte me apertou com força junto ao seu colo. Foi um fim de tarde cheio de saudades e carinhos.
Logo no início da noite de banho tomado e barriga cheia, com o acompanhamento de uma boa cachaça – Que não tinha igual em nenhum lugar da capital – Conversávamos eu e Papai sobre o tal infortúnio na lavoura. Quanto mais me contava, mais apreciava estes “causos” de superstição, bobageira sem pé nem cabeça. E ria descrente.
Quanto perguntei se alguém já tinha visto a visagem maligna, soube que um dos negros o tinha visto e descrevia que a criatura se tratava do amaldiçoado Tenório, que vagava em agonia pelos pés de café e as matas da região. Quando escutei o nome, petrifiquei, senti como se o chão me faltasse.
As lembranças de infância retornavam agora, e se chocavam brutalmente sob mim, em minha realidade de advogado, de homem formado. Neste lampejo lembrei-me de minha infância, Mamãe, do negrinho Tuca e de seu destino cruel. Foram segundos, mas quando retornei a mim, Papai olhava-me com preocupação. Totalmente refeito, disse-lhe que pela manhã estaria cuidando pessoalmente do assunto, pedi sua benção e fui dormir “estava cansado da viagem”.
A noite era longa... Me perdia em pensamentos que em vertigem logo se transformaram em pesadelos que permeavam minha cabeça de tristes e dolorosas lembranças; Receios do passado misturados com os temores do futuro rondavam-me como uma insistente nuvem, que de tão nebulosa envolvia-me de modo que eu não encontrasse mais a saída. Decidi em meio ao suor que escorria em minha testa, levantar-me para beber água e olhando para além da janela no horizonte escuro além do cafezal prometi tirar a limpo esta história de uma vez por todas!
Pela manhã na mesa era evidente em meu rosto que não dormira bem, comi um pouco. Quando Papai se sentou, pedi a ele um negro para a empreitada que eu iria começar, selaram um cavalo e partimos rumo ao desconhecido.
Depois de algum tempo puxei assunto com Biano – Era esse o nome do negro que me acompanhava – Mas ele demonstrou demasiada preocupação com a crescente neblina que se acentuava em nosso redor naquela manhã fria, parece que não escutou minhas palavras. Andamos mais de uma hora quando finalmente escutamos um barulho vindo em nossa direção, os cavalos pararam de imediato, estavam inquietos a ponto derrubar-nos, foi difícil manter-se na sela. Nada se via além do breu daquela assustadora manhã. Pensei em engatilhar a carabina que trazia comigo, mas qual era o alvo? Para atirar em quem ou em o quê? Biano me olhava indagando-me, como se eu tivesse a resposta para tamanho disparate, a névoa nos envolvia em um abraço tenebroso.
Quando meu cavalo empinou jogando-me no chão, e foi no chão que vi os cavalos e o negro fugirem em desembestada corrida mata a fora. Acho que desmaiei por instantes, pois quando acordei estava sozinho no meio dos pés de café do lado sul da fazenda. Engatilhei a carabina que estava ao meu lado no chão, e me pus em posição de defesa. O cafezal parecia coberto por uma espessa camada de algodão nada se podia ver amenos de um palmo de distância, decidi seguir em direção ao nada, ao desconhecido. Tentava me nortear de alguma forma, mas minha visão estava limitada, não enxergava o sol, não enxergava nada... Pés e mais pés de café que aos poucos surgiam á frente. Um labirinto no cafezal. Sentindo o sentimento de desespero se apossar de mim, comecei a andar sem sentido definido, pela nevoa seguindo apenas o extinto.
De repente um calafrio me correu a espinha, escutei o barulho de galhos secos se quebrando como se algo ou alguém se aproximasse. Coloquei-me em posição de ataque em desespero procurava a fonte do barulho.
Biano é você? Controlando o desespero gritei..."

Sidney  Leal