Quando o despertador tocou avisando que
era cinco horas da manhã, Carlos Augusto Macedo o olhou pensativo, fazia pouco
mais de uma hora que estava acordado. Estava sentado em sua cama olhando o
brilho de seu revolver na mesinha do quarto. Levantou–se enquanto guardava
cuidadosamente sua farda na bolsa, olhando para a tarjeta que o identificara e
onde se lia “Sargento Macedo”. Colocou sua arma por dentro da calça, beijou sua
esposa e sua filhinha que ainda dormiam e saiu.
Já na lotação seguia se acotovelando com
os demais passageiros, arrumando um lugar para poder ficar em pé. Seu carro
estava no mecânico, o Kadet gsi 94 bebia muito! E com a gasolina no preço que
está não dava para trabalhar todo o dia com ele, e agora quebrado então...
Levantou a cabeça e notou uma pequena televisão sintonizando o jornal da manhã,
falando da final do campeonato de futebol, dos gols e da truculência da
policia. Depois se escutava muito baixo um conselheiro dos direitos humanos que
mostrava as estáticas da violência policial.
– Moralistazinho de merda! Pensou alto
Macedo, sem temer que os demais o escutassem, pois todos ali tinham suas vidas,
seus problemas e ali espremidos seguiam um ritmo automático e triste de sua
rotina diária de trabalho. Ainda nervoso refletia sobre sua carreira, o cara da
TV não sabia de sua vida, de seu trabalho. Os doze anos como policial militar,
no salário de mil e duzentos reais, nos tiros que já recebeu, nos bandidos que
matou. Ninguém falou nada quando num tiroteio perdeu o amigo de trabalho e
ficou oito meses se recuperando de um tiro que levara.
Pensava
no salário, nos descontos em folha, nos bicos que fazia, os “cafezinhos” que
recebia para fazer “vista grossa” em alguns episódios... Nada grave, mas neste
momento pensou em sua família, na sua filha de poucos anos de vida. Bandido bom
é bandido morto! Pensou decidido enquanto olhava a janela embaçada da lotação.
Cleber
Ferreira de Souza estava acordado, passou mais uma noite suando frio na sua
crise de abstinência de cocaína, olhou seu celular, cinco horas da manhã.
Pensava que ainda restavam sessenta e oito dias e sete horas para se vir livre
da prisão. Lavou mais uma vez seu rosto no gotejar tímido de uma torneira
velha. Estava cansado daquilo, do vicio, das perseguições, do cheiro fedido de
sua cela, onde vivia com mais cinco pessoas.
– Fala Caveirinha! Que tá pegando velho? Saudou
Ratoeira um “irmão” de detenção ainda sonolento.
– O barato tá louco velho! – Se apoiou – Quase to livre desta poha, quase to livre
do pó! Em seu rosto Caveirinha carregava as marcas de sua vida, da pobreza
de sua família, da fome. Lembrava especialmente da cara de seu Pai, quando ele
apareceu com o tênis novo, apanhou muito aquele dia. Mas dali em diante sabia
exatamente onde encontrar o dinheiro que precisava para sobreviver.
Horas depois, olhou o céu através das
grades de arame que cobriam o pátio, isso tudo vai acabar! Falta pouco! Quando
dali saísse iria tentar se enquadrar na sociedade, foram oito anos de prisão
por latrocínio. Não foi sua culpa aquela mulher se mexer, e ele ainda moleque, assustado
atirou, matando–a instantaneamente. Sentiu o coração apertado, nunca quis matar
ninguém só queria comprar suas coisas com dinheiro. Mas daí venho o vício pelas
drogas, cada vez mais fortes, mais e mais destruidoras. Olhou então os braços
cheios de marcas de picada de agulha, mexeu no seu macilento nariz, mesmo
deformado ainda lhe restara alguma cartilagem nele, por isso do apelido
caveirinha.
Subiu os degraus do seu pavimento, e via
nos corredores marcas de sangue, pichações, chegando à sua cela foi direto ao
pequeno pedaço de espelho, onde ajeitava seus cabelos com uma escovinha, afinal
hoje é dia especial, final de campeonato de futebol e dia de visitas!
Pegou os livros que tinha lido nas
últimas semanas, emprestados da biblioteca do presídio. Lembrava–se que
apanhara muito por causa deles, os outros detentos não aceitavam sua mudança de
vida, só teve paz quando finalmente pagou suas dividas de droga e nunca mais se
meteu com os “foda” do lugar.
Colocou os livros na prateleira
improvisada na parede. Um destes volumes lhe chamou a atenção, era “O Conde de
Monte Cristo” de Alexandre Dumas, a história de vingança do marinheiro Edmond Dantès o fascinava,
de modo que ele pensava como seria a sua vingança pessoal...
Foi interrompido em seus pensamentos por um barulho nos corredores, a
gritaria crescente lhe chamou a atenção.
– Vamo
tacá fogo! Vamo tacá fogo! – Caveirinha não acreditava
naquilo, era dia de visitas e o que se via era o começo de uma rebelião!
Olhando pela janela de grades pôde ver a policia entrando com tudo!
Aquele 02 de Outubro amanhecera
conturbado, final de campeonato e todas as TVs da cidade sintonizavam a
rebelião do daquele complexo presidiário, a visão era aterradora, colchões
queimados atirados do alto dos prédios, corpos com os rostos cobertos por
camisetas, empunhando canivetes improvisados. Fora do presídio na porta de
entrada se via a formação de um batalhão de soldados da policia prontos para
invadir.
A cena vislumbrada pelo helicóptero era
uma cena de guerra. Os programas sensacionalistas já especulavam a quantidade
de mortos resultante deste confronto, resumindo tudo num show bizarro
televisionado, enquanto em algumas janelas se via chamas explodindo.
Sargento Macedo reunia–se a sua tropa,
pois já havia recebido as orientações para a invasão do presídio, recebida do
alto comando da policia militar, aqueles velhos de quepes com grandes estrelas
douradas que brilhavam ao sol. Ele via em formação vários agrupamentos de
policias. A equipe de Macedo não passava de trinta homens. Com o grito de
sentido! Todos estavam posicionados, após uma breve inspeção; Passou as ordens
aos soldados e se colocou frente à tropa aguardando o comando de seu capitão... Contínua no livro 13 "Contos".
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