"Não vem que não tem!"
Sidney Leal
Uma
noite abafada... Sim uma bela noite abafada, sentado depois do dia que tivera
sentia ainda o cansaço, e a dor lancinante do tiro de raspão que levei.
Sangrava sentado na varanda do pequeno apartamento de um hotelzinho barato de
subúrbio. Estava no segundo copo de conhaque. Comprei a garrafa sabendo do
efeito anestésico que teria sobre a dor do ferimento, mas com o passar do tempo
aquela garrafa se tornara uma grande companheira. No pequeno quarto encontrei
uma vitrola, um toca discos antigo. E abrindo a tampa vi um disco empoeirado,
soprei a principio, mas depois, levado pela insistência do pó, passei o lençol
que cobria a cama mesmo. Li então o nome do grande Wilson Simonal.
–
Hora vejam só! Exclamei extasiado, afinal uma alegria no meu dia... Ou melhor,
como diria o velho "Simona" –
Alegria! Alegria! Agora torcia para que na limpeza precária que fiz do
velho disco, não o ter arranhado a preciosidade esquecida. Era uma raridade!
Meio tremulo pelo efeito pungente do álcool lutava para conseguir colocar a
agulha na primeira faixa sem danificá–lo... Então um leve estalo, som baixo, um
"esfarelar" produzido pelo deslize da agulha na primeira faixa do
vinil. – Haha! Consegui! Gargalhei
alto, na minha satisfação de bêbado. Tomando um gole longo e seco na garrafa...
A bebida era forte, descia queimando, secando a garganta com o calor dos
infernos que é a vontade humana, que é a fraqueza humana! Ah quanta satisfação!
Tirei o paletó. A parte interna
estava suja de sangue, tirei a camisa. Em estado deplorável. Em breve analise
do ferimento constatei – para meu azar –, que iria sobreviver! – Haha – Mais uma gargalhada, mais um
trago. O ferimento doía quando eu ria!
Para
limpar o ferimento, joguei um pouco de conhaque sobre ele, – Argh! –, Como ardia. Eu lamentava muito, não o
ferimento, fruto de meu trabalho. Mas, sim o desperdício de uma excelente
bebida. – Haha. Gargalhei mais uma
vez voltando agora minha atenção ao som de Simonal... – Vesti azul! Parapapá, minha sorte então mudou parapapá...
Desafinado acompanhei. – Se tudo fosse
simples assim meu velho. Simonal morreu abandonado por aqueles que
entretia, preso num caracol de acontecimentos motivados, quem sabe por inveja?
Talvez, mas preso em sua arrogante inocência, foi se perdendo e sendo
abandonado pela mídia, injustiçado com certeza! Injustiça praticada por uma
corja de moralistas de um velho regime brutal. Simona morreu vítima da
tristeza, vítima da bebida... Neste momento olhei a garrafa, onde pude ver meu
reflexo. Estava acabado! Exasperado pensei em lançar a garrafa na parede, quem
era ela para refletir a verdade, ou melhor, para refletir aquilo que me tornei
com o passar dos anos.
–
Trim, Trim! O celular tocou me assustando.
– Pode falar, não, ele
ainda não apareceu, como assim se eu tenho certeza? Estou no prédio na frente
do dele onde costuma se encontrar com aquela vagabunda de sempre! Eu demorei
porque estava envolvido no termino do outro caso que peguei, ou melhor,
encerrei; Sim, mas foi um só de raspão, não, não preciso de médico, como vou
ficar neste quarto por alguns dias, me viro sozinho mesmo; Preciso de dinheiro
pra os curativos, sim vou beber um pouco, não se preocupe com o caso. Olha
lembre—se que só aceitei este caso pela grana e por você... Fez—se então um silêncio doloroso. –
Hein não precisa me dar um gelo,sei que acabou tudo, sei que a poha do seu
trabalho no governo, e o seu chefe te tomavam tempo. Segurando
ainda a garrafa de conhaque refleti – Ainda bem que não a quebrei! –, Dei um gole
longo, sorvendo a bebida com fúria e dor, o golpe foi forte, o ferimento ainda
ardia, minha cabeça girava e meu coração desiludido doía, o golpe foi forte...
Desmaiei!
Horas depois
acordei com a dor do ferimento, que ainda teimava em sangrar, estava muito
suado decidi abrir a janela. Enquanto sentia a brisa fresca da
noite, observava que mesmo tarde a cidade permanecia viva, com suas luzes,
sirenes, buzinas. Pela janela do hotel eu tinha uma visão privilegiada, os
prédios situados à frente um do outro, permitiam observar também seus
moradores. Uma das facilidades da vida urbana, para bisbilhotar seu vizinho,
basta abrir a janela. E eu estava ali justamente para observar meu vizinho, ou
melhor, uma pessoa em especial; O nobre deputado Palharini seguia bem nas
pesquisas de opinião para eleição para governador, mesmo na política, mesmo
estando bem colocado nas pesquisas, a velha raposa não largava as velhas
manias, no prédio em frente morava seu amante favorito um garotão malhado de
pouco mais de vinte anos, pois, vossa excelência tinha a mania de dar o rabo para
garotões que gostassem de grana viva e de uma bunda murcha de velho. Ele iria
chegar a qualquer momento para uma sessão de enrabamento, eu só precisava de
algumas fotos; E teria grana suficiente para me manter sossegado por mais de
ano. Junto da sacola que trouxe a garrafa de conhaque, se encontrava também a
câmera de alta resolução e um binóculo de visão diurna e noturna. Excelente
equipamento, que me valeu um tiro de raspão e uns quatro dentes que quebrei de
seu antigo dono, olhei para meus sapatos e ainda estavam sujos de sangue da
boca do infeliz, só aí percebi que fedia a suor seco, meu hálito estava
horrível... Depois de uma chuveirada, acendi um cigarro o simples movimento de
braço, sentia a dor do ferimento. Que agora estava com curativo improvisado da
cortina do quarto e um pouco de conhaque. Notei enquanto meu trabalho não
chegava, que ao lado do apartamento do viado malhado do deputado, uma mulher
muito bonita se trocava próxima a grande janela de seu apartamento, notei
apenas de relance o formato de seus seios, pois, ela já terminava de fechar o
vestido. Parece que a campanhia tocou, ela se dirigiu a porta, surgindo então
um homem engravatado. Depois de comerem foram ao quarto e de lá não saíram
mais. Muitas horas e cigarros depois cochilei no quarto escuro de meu
apartamento, não podia permitir ser visto bisbilhotando a vizinha gostosa, ou
melhor, o deputado gay.
Refeito
do sono ajustei o binóculo vasculhando todo o apartamento da vizinha, mas nada
do homem. Vi que ela ainda estava se trocando, por entre as frestas da persiana
seguia meu desejo. Minha vizinha de quarto tinha uma rotina peculiar de trocas
de roupa e banhos noturnos. Se o deputado tinha suas manias e taras secretas eu
bem que podia ter as minhas! E noite após noite, e a observava, seus vários
amantes, pois toda noite era um cara diferente!
Nas primeiras noites de observação,
confesso envergonhado... Se tratar de curiosidade puramente sexual, uma mania
adolescente, um fetiche. Mas depois de algum tempo observando, notei certos pontos
curiosos. Seus convidados, homens em sua maioria, chegavam tarde da noite e eu
não os via saindo... Mas sempre á via trocando de roupa com freqüência após
seus banhos demorados.
O deputado não pareceu na primeira
semana, minha ex me informava que a agenda dele o segurava em Brasília. O velho
devia estar louco para ver seu namorado. Passaram–se dias e seguia o vício de
observar minha vizinha, o que a principio se tratava de um escape à falta de
sono, aos poucos se tornou um substituto á ele. Á vezes nem dormia aguardando
com grande expectativa o início do meu show privativo... Até que finalmente!
–
Hum o cara desta noite é grande – Parecia um praticante de artes marciais
ou sei lá... Espera um pouco era o namorado do deputado! O velho Palharini iria
surtar de ódio.
O ferimento doía quando eu ria, fico
imaginando o diálogo:
–
Que bom que chegou Brutus! – Nada de especial apenas inventei o nome.
–
Estava ansioso em te ver boneca – Imagino que falava o grandalhão – Vamos
jantar, pois estou com muita fome, bom como o deputado não veio... Depois quero
minha sobremesa! – Neste ponto
gargalhei com minha versão barata da conversa dos dois.
– Hum espera um pouco – Ajustei a
resolução do binóculo – Ao que parece o
grandalhão está com muita fome, que ir direto a sobremesa! – Droga!
Entraram no quarto onde eu não conseguia ver o que acontece. Decidi esperar e
ver a saída do Brutus, mas como nas outras vezes, ele não saiu. A vizinha aparece tempos depois, seminua. – Não é possível que não vi o cara sair! –
Aumentando o alcance do binóculo notei que as roupas retiradas estavam
sujas, e acompanhando sua passagem pela luz do abajur da sala, as manchas
pareciam com sangue... contínua no livro "13 Contos"
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